domingo, 12 de julho de 2009

Questão de sorte

Costumava dizer que na vida tudo era uma questão de sorte.
Ele, por exemplo: apenas um golpe de sorte no supermercado. Como os iogurtes com ofertas.
Dizia-lhe constantemente que o tinha ganho nos iogurtes. Há aqueles que anunciam ‘pague 3 leve 4’, há os que oferecem um grátis na compra de 4, há os que incluem um tupperware com os packs de 6 e há aqueles que trazem brindes: colheres, pulseiras, imans, autocolantes e, daquela vez, homens. Tinha sido assim. E ela dizia-lho com aquele sorriso malandro e o olhar de desdém… depois apertava-lhe o nariz e enrolada nos seus braços dava-lhe um beijo merecido.
Retirava-lhe toda a importância, para lhe esconder a verdade. A verdade que só revelava naqueles beijos de quando em vez. O quanto ela seria perecível sem ele, o quanto tudo na sua vida acabava por se apoiar nele. Ele que a fazia rir sem motivo aparente, que a fazia correr no meio da rua como uma criança ou a fazia dançar sem música. Ele que lhe trazia um gelado para a chantagear, que com voz melosa e cabelo despenteado se fazia de miúdo e lhe dizia: “ senão trocares o trabalho por mim, não comes este gelado delicioso. Senão vieres passear comigo vais ficar sem o teu gelado preferido. Senão me deres um beijo imediatamente, como o teu maravilhoso gelado!” mesmo sabendo que ela era do contra e encontrava sempre um pequeno defeito no maravilhoso gelado. Mesmo sabendo que ela lho iria roubar, dar-lhe um beijo rápido e dizer com ar superior “ganhei!”. Porque depois ele corria atrás dela, pegava nela ao colo e, no meio de um beijo, exclamava “não ganhaste não!”. Depois ela, muito senhora do seu nariz, sujava-lhe as bochechas com o corneto e segredava-lhe “eu é que te deixei ganhar honey, que assim o gelado sabe melhor” e derretiam-se em gargalhadas doces e melodiosas de amor cúmplice e feliz.

Quando ficavam em silencio, abraçados no sol. Ele beijava-lhe os cabelos e ela confessava: “és a melhor coisa que já tive.” E então, só para o contrariar, acrescentava: ainda bem que comprei os iogurtes.

E beijava-lhe a cara de birra que conhecia tão bem.