segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Grito de alerta

"São tantas coisinhas miúdas, roendo, comendo
Arrasando aos poucos o nosso ideal
São frases perdidas num mundo de gritos e gestos
Num jogo de culpa que faz tanto mal

Não quero a razão pois eu sei o quanto estou errada
O quanto já fiz destruir
Só sinto no ar o momento em que o copo está cheio
E que já não dá mais pra engolir






E assim nossa vida é um rio secando
As pedras cortando, e eu vou perguntando: até quando? "

sábado, 8 de agosto de 2009

Acasos


"Passou uma fita, aqui em Lisboa. Um guião americano que vivia de um enredo leve, de que só voltei a lembrar-me esta manhã. Na primeira parte, uma mulher casada toma o Metro para ir para o emprego. Durante o trajecto, conhece um homem por quem se apaixona e determina o fim do seu casamento.
Na segunda parte, a mesma mulher não chega a apanhar o metro. Esquece-se da pasta de trabalho e volta a casa para a buscar. Mas encontra o marido com outra e sucede-lhe o mesmo: a sua vida desmorona-se.
Recorro muito à construção civil para encontrar metáforas: ruir, restaurar, desmoronar. Como se o amor fosse um arranha-céus ou um velho mosteiro. Por uma questão de cálculos, ou de tempo, podem ambos ruir. A qualquer momento.
Mas poderia não ter sido assim, a vida da protagonista. Poderia ter viajado de Metro, e não reparar em ninguém. Ou voltado a casa, e não encontrar o marido. E tudo rolar como sempre até ali, sem suspeitar que haveria outras vidas à sua espera. Outras vidas. Talvez a dela, a que nunca chegará a viver por causa de uma pasta. Ou a de qualquer outro: a minha, a tua.
A vida depende de acasos, mas a ideia é tão banal que nos custa a aceitá-la.Gostamos de imaginar uma vida comandada por Deus. Pelos astros, pelo destino. Por nós mesmos. Por tudo, menos pelo acaso.
Os acasos embaratecem-nos.
Ainda se pudéssemos chamar-lhe sortilégios! Mas há outra dimensão nos sortilégios. De maquinação, de feitiço.
Não, a vida depende de acasos. Uns, felizes; outros, infelizes. Sorte ou fado – assim lhe chamamos.


Depois de o saber, de o confirmar, sei hoje que todo o gesto – o mais pequenino – tem importância."

Rita Ferro